Argelina Figueiredo: Briga na elite revela corrupção

Por Diego Viana
Valor Econômico - 13/01/12

Leia a seguir a entrevista da cientista política Argelina Cheibub Figueiredo, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de janeiro (Iesp-Uerj).
Valor: O tema da ética na política está cada vez mais presente. Podemos ter esperanças de reduzir os níveis de corrupção?
Argelina Cheibub Figueiredo: O que estamos vivendo no Brasil é um processo comparável ao início da redemocratização, quando o tema da sociedade civil era o resgate da dívida social. De um tempo para cá, o tema é a questão da corrupção e do controle dos agentes governamentais. Com a estabilidade monetária e política, tivemos ganhos na área social e isso levou as diversas forças político-partidárias a apoiar o governo. Isso começou a consolidar aquilo que chamamos de presidencialismo de coalizão.
Valor: Esse apoio continuou no governo Lula?
Argelina: Continuou, mas a mudança política, com a alternância do grupo no poder, gera mais conflito na elite política. Com o conflito vêm as denúncias, os escândalos, a descoberta de casos de corrupção. Não é que os casos sejam falsos, mas não podemos comparar com outros períodos porque eles não apareciam.
Valor: O mesmo vale para o Poder Judiciário?
Argelina: Quando Lula disse que "precisamos abrir a caixa-preta do Judiciário", ele indicou uma mudança política. Antes, a caixa-preta não tinha sido mencionada por nenhum governante. Não que não quisessem mexer no Judiciário. É uma questão de agenda, as caixas vão sendo abertas na medida em que seja possível. O Judiciário abrange a elite social, econômica e cultural. Toda elite gosta de ser pouco controlada. Do ponto de vista dos juízes, ou da maioria deles, a falta de controle é um hábito e eles vão se rebelar ou pelo menos achar que o controle do CNJ é excessivo. Mas a população não acha.
"Qualquer tipo de comportamento incivilizado muda se tiver punição. As pessoas veem que depois da punição é tudo mais ordenado"
Valor: E quanto poder os juízes têm para evitar o controle? O STF entrou na briga com força.
Argelina: Acho que ninguém mais segura. O CNJ, enquanto tem apoio - e acho que essa discussão não está tão popular como poderia - vai ser cada vez mais forte. Não tem mais espaço para a falta de controle de uma categoria. Se dentro do Judiciário há correntes que acham que deve haver mais controle, e com apoio dos outros poderes e da população, é difícil manter a caixa-preta fechada.
Valor: Os escândalos de 2011 levam muita gente a crer que a corrupção está aumentando.
Argelina: Os índices comparativos são todos de percepção. Ora, a percepção de corrupção é tanto menor quanto menor for o grau de conflito entre as elites. O lado positivo é a vontade de controlar. O negativo é a descrença na política e nos políticos.
Valor: É o ponto crucial na política do Brasil?
Argelina: O Brasil é uma das maiores populações do mundo que contam com uma democracia consistente. Tomou decisões políticas difíceis, fez reformas econômicas difíceis, reduziu a pobreza, a miséria, mesmo a desigualdade até certo ponto. Ainda temos muita miséria, mas se formos comparar com um país como a Índia, a diferença é gritante. A assistência em saúde e educação avançou muito, mas a sensação da população é de que o dinheiro público foi todo desviado.
Valor: Quem são essas elites que brigam?
Argelina: São grupos de poder, grupos econômicos, representantes de grupos políticos e mesmo organizações da sociedade civil. Muitos têm uma atuação anti-política, de negação da democracia representativa, mas são pessoas que também fazem parte da elite política.
Valor: O sistema político torna inevitáveis os desvios de conduta?
Argelina: O que acontece no presidencialismo de coalizão brasileiro não é exclusividade nossa. Se um presidente ou primeiro-ministro for minoritário e precisar formar uma maioria para passar políticas, essa é a ação mais racional: formar a maioria com os partidos existentes. O que ele tem para oferecer é dividir o poder e isso se faz dividindo as áreas de atuação, os ministérios, os cargos. O presidencialismo de coalizão exige concessões, o que não significa que tenha de ser via corrupção. Quem me garante que um governo em que um partido só tenha a maioria produziria menos corrupção? O mais provável é o contrário, logicamente. Com mais partidos, há mais conflito e fica mais aparente quando há corrupção. Onde tem um partido majoritário há menos casos de corrupção, mas com um governo multipartidário, o conflito na elite é favorável ao cidadão. Se as instituições da sociedade funcionam bem, o conflito é benéfico para a democracia e para o cidadão. Quanto mais acordo tiver entre as elites, menos o interesse do cidadão comum vai ser atendido.
Valor: Então o Brasil tem motivos de orgulho?
Argelina: As várias características do sistema político brasileiro são positivas para o cidadão e ajudam a reforçar as demandas que a sociedade como um todo tem para resolver questões sociais, ampliar a cidadania, o acesso à saúde e à educação, aumentar os controles sobre o poder público e assim por diante. No Brasil, um dos ministérios mais cobiçados é o dos Transportes, porque é dinheiro para empreiteira. Isso é bom? Claro que não. Mas não acontece só aqui. A política tem esse lado. No governo Fernando Henrique, quem ganhou o ministério dos transportes foi o PMDB. O que o PMDB conseguiu com isso? Sustentar a estrutura do partido, que era o maior do país e continua sendo até hoje. Quando começou o governo Lula, como eram as estradas? Muito ruins. Surgiu alguma denúncia de corrupção naquele período? Nenhuma. E continuou assim com o PR. O que mudou agora é que o PMDB tinha como barrar denúncias de corrupção, mas o PR não tem.
Valor: E onde o Judiciário entra nisso?
Argelina: A Polícia Federal, depois que passou a agir livremente, prendeu advogados, desembargadores, gente do Judiciário. O Judiciário não está fora dessa realidade. Um dado interessante é que, ao contrário do Brasil, onde o orçamento do Judiciário é feito pelo próprio Judiciário, nos EUA ele é feito pelo Executivo. Em termos de separação dos poderes, o caso brasileiro é melhor, elimina a dependência financeira de um poder em relação a outro. Mas no Brasil, põe-se o Judiciário acima de qualquer suspeita. Se digo que Gilmar Mendes, por exemplo, tem uma preferência partidária evidente, sou mal recebida, mas essa preferência é clara. Acho bom que essa polêmica em torno do CNJ tenha surgido e espero até que aumente.
Valor: Por que a popularidade de Dilma resistiu à derrubada dos ministros?
Argelina: Achei que muitas vezes ela demorou muito para demitir os ministros. Eu esperava que isso seria ruim para a percepção do desempenho dela. Mas a população parece estar vendo mais resultado de governo do que pensamos. A isso se soma a atitude da presidente, que demitiu os ministros. Não é fácil explicar o aumento de popularidade. Talvez seja porque ela não fez muita política em cima da "faxina".
Valor: No plano individual, fala-se muito nas raízes profundas da corrupção do brasileiro, na forma de um desdém pela lei. Ela é irreversível?
Argelina: Nada é tão enraizado que não possa ser arrancado pela punição efetiva. Qualquer tipo de comportamento incivilizado muda se tiver punição. As pessoas veem que depois da punição é tudo mais ordenado e civilizado. As pessoas passam a viver melhor e a agir de acordo. Acostumam-se, a punição não é mais tão aplicada, porque não precisa. As multas, por exemplo, começam a ser levada mais a sério. Discordo veementemente da ideia de que o desdém à lei seja irreversível.
Valor: A inclusão social pode tornar o brasileiro mais capaz de mobilização e reivindicação?
Argelina: É difícil dizer. Acho que a entrada de muitas pessoas na sociedade de consumo reforça algo que já estava presente. Temos, sim, heranças patrimonialistas, clientelistas e assim por diante, mas o que a ciência política ensina é que nenhum comportamento se reproduz se não encontra mecanismos para isso. O malandro, a classe média que passa por fora, o juiz que dá carteirada, o grande proprietário, são cada vez menos favorecidos com o desenvolvimento das instituições. Então fica mais difícil dar carteirada, ou um grande político comprar o fiscal da lei seca para não ter a carteira de motorista apreendida... É uma estruturação do aparato de Estado para fiscalizar e melhorar o comportamento no âmbito público. Às vezes é difícil perceber isso, mas já vem desde o período da redemocratização. E isso não é por nenhuma lei invisível da política, é a consolidação de instituições no nível mesmo do sistema político.
Valor: Pode-se dizer que o sistema é menos caótico do que parece?
Argelina: Nossas instituições clássicas, o presidencialismo, o voto proporcional e obrigatório, o federalismo, sentidas como instituições que iam impedir o desenvolvimento do Brasil, no meu entender o favoreceram. Quando chegamos à redemocratização, com a nova constituição (tão amaldiçoada, mas de grande importância para várias coisas que aconteceram desde então), foram mantidas essas instituições, que dão um acesso amplo ao sistema político para a população. Também era uma preocupação dos constituintes que o Executivo não fosse paralisado, como aconteceu em 1963.
Valor: Mas ele continua tendo dificuldade de passar reformas importantes.
Argelina: Isso é relativo. A reforma da previdência no Brasil teve de ser feita por emenda. É óbvio que não passou uma boa parte, mas mudou tanto a previdência que é significativa. Ela levou dois anos para ser aprovada, e as pessoas acharam isso interminável. A reforma do serviço público foi feita em menos de um ano. Na Inglaterra, quando Margaret Thatcher foi fazer a reforma da previdência, em 1979 ela mandou um projeto e teve de retirar rapidamente, tamanha foi a grita no próprio Partido Conservador. Só reintroduziu a reforma em 1983 e a aprovação foi em 1986. Quando falamos em dificuldades, estamos falando de conseguir acordos. Em democracia é assim, não tem jeito.
Valor: A avaliação é positiva, então.
Argelina: Só não gosto que digam que minha visão é otimista, porque se baseia em dados. Temos de superar o "complexo de vira-latas".

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