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MPF - As vésperas de encabeçar a lista para a Procuradoria-Geral, Gurgel liberou 210 milhões de reais em benefícios a colegas
POR LEANDRO FORTES
ESCOLHA dos procuradores-gerais da República está condicionada, desde 2003, ao primeiro colocado de uma lista tríplice eleita pelos pares do Ministério Público. Cerca de mil profissionais definem, a cada dois anos, quem irá ocupar O cargo máximo da carreira. Há dois meses, a presidenta Dilma Rousseff manteve Roberto Gurgel, o mais votado.
Gurgel, contudo, parece não ter contado apenas com a admiraçãu profissional de seus pares para se manter no cargo. Nos meses de dezembro de 2010 e abril de 2011, justamente no periodo de mobilização eleitoral interna, o chefe da PGR autorizou o pagamento, em duas parcelas, de cerca de 210 milhões de reais a cerca de mil procuradores da República, entre ativos e inativos. O dinheiro diz respeito a uma decisão administrativa do Supremo Tribunal Federal, de 1999, da lavra do então ministro Nelson Jobim. O ato agregou o benefício de auxílio-moradia à chamada Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), criada em 1992, também pelas mãos de Jobim, para equilibrar os salários do Judiciário e do Legislativo.
O benefício de auxílio-moradia não havia sido computado no cálculo inicial da PAE, mas acabou incluído por conta de uma ação impetrada no STF por associações de classe de juízes, sob o argumento de que dele usufruíam os deputados federais. Assim, o Ministério Público se viu na obrigação de incluir em seus orçamentos federal e estaduais pagamentos retroativos referentes ao período entre setembro de 1994 e dezembro de 1997. O tempo foi definido a partir das circunstâncias da lei: o pedido somente poderia retroagir a setembro de 1994, como consequência lógica do tempo de prescrição (cinco anos) das ações contra a Fazenda Pública. E dezembro de 1997 passou a ser o limite porque, a partir de janeiro de 1998, o benefício foi revertido em abono variável nos salários de promotores e procuradores, Brasil afora.
O Ministério Público entrou nessa história por ter sido agraciado pela PAE em 1992, mas sem levar em conta um detalhe legal importante: promotores e procuradores, por determinação da Constituição Federal de 1988 e, mais tarde, por conta de uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), são obrigados a morar no local onde trabalham. Logo, aceitaram um benefício irregular.
O fato é que justamente quando estava em campanha de reeleição ao cargo, Gurgel começou a liberar o dinheiro. A primeira parcela, de aproximadamente 60 milhões de reais, foi paga em dezembro de 2010: cerca de 60 mil a 90 mil reais para cada procurador em serviço entre 1994 e 1997, a depender do tempo de cada um no período. A segunda parcela, de 150 milhões de reais, veio no mês da escolha, março passado. No dia 9 de agosto, tanto esse pagamento quanto outras irregularidades detectadas na rotina do Ministério Público serão contestados no CNMP pelo advogado Luiz Moreira, conselheiro indicado pela Câmara dos Deputados.
Entre os expedientes analisados por Moreira está o auxílio-alimentação de 630 reais mensais recebidos pelos procuradores, proibido pela Emenda Constitucional19, de 1998, que impede qualquer benefício aos integrantes do MP, alémdo salário. Ainda assim, para garantir boas refeições aos procuradores, Gurgel referendou, em agosto de 2010, uma portaria de 1996, assinada pelo ex-procurador-geral Geraldo Brindeiro. Também será contestada a instalação da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) na sede da PGR, em Brasília. "Uma entidade privada não pode ficar localizada num prédio público", argumenta Moreira. O presidente da ANPR, Alexandre Camanho, explica que a associação ocupa as salas graças a um termo de cessão, não paga aluguel, mas arca com todas as demais despesas de infraestrutura.
É justamente no quesito moradia que a vida de parte dos integrantes do Ministério Público poderá se complicar. Além da norma constitucional, a Resolução nO 26 do CNMP trata da obrigação de promotores e procuradores, em todo o Brasil, morarem nos municípios onde trabalham. A resolução, baixada pelo CNPM em 17 de dezembro de 2007, é uma das mais importantes medidas do conselho, criado dois anos antes para exercer o controle externo sobre a categoria. Ainda assim, é uma regra burlada, em muitos casos.
Pela Resolução 26, apenas o procurador geral da República pode autorizar os integrantes do Ministério Público a trabalhar fora do local de domicílio, mesmo assim em situações específicas. Entre elas, quando houver precariedade absoluta de habitação na comarca destinada a promotores e procuradores, ou quando a segurança do agente do MP estiver comprometida, sobretudo por conta de ameaças de morte. Um levantamento feito por Moreia demonstra que uma parcela considerável do Ministério Público, sobretudo em instâncias mais avançadas da República, não dá bola para a regra. "Viver no lugar onde trabalha é uma obrigação constitucional para o Ministério Público, sem brechas. E um procurador não pode afrontar a Constituição."
Mas confrontam, mesmo no topo da carreira, como é o caso de alguns dos 62 . subprocuradores da República lotados no edifício-sede da PGR em Brasília. De acordo com o levantamento de Moreira, o subprocurador Juarez Tavares, por exemplo, passa a maior parte do tempo no Rio de Janeiro, onde leciona na universidade estadual, a Uerj. Embora, nesse caso, o subprocurador arque com as próprias despesas, ainda assim está fora da lei. Além de desrespeitar a Constituição e a Resolução 26, Tavares passa por cima de outra resolução do CNMP, de junho deste ano, com regras sobre a atividade no magistério. Pela nova resolução. apresentada pela conselheira TaÍs Ferraz, a docência só pode ser exercida no município de lotação do promotor ou procurador. Ou se ja, no caso de Tavares, em Brasília. Pode haver uma autorização especial para aulas fora do local de lotação, mas somente quando se tratar de instituição de ensino "situada em comarca próxima ou em hipóteses excepcionais". O Rio fica a 1.174 quilômetros de Brasília e, até onde se sabe, dar aula na capital carioca está longe de ser uma "hipótese excepcional".
Em Brasília há quatro anos, Tavares garante que mora na capital, embora na casa de um amigo, no Lago Sul. Diz manter um apartamento no Rio porque a mulher, advogada, não pôde se transferir para o Distrito Federal. Ele garante que só dá aulas às sextas na Uerj, e que isso não signifíca ausência do trabalho. "Os subprocuradores não têm horários, trabalham por tarefas." Também nega descumprir as resoluções porque, segundo ele, os subprocuradores, embora oficiem nos tribunais superiores de Brasília, não se restringem a comarcas, mas ao "plano nacional".
Na verdade, esse tipo de expediente está tão banalizado que até o secretáriogeral do CNMP, o procurador-regional José Adércio Leite Sampaio, está na mira do conselho. Lotado em Brasília, ele tem pouco tempo para viver na capital federal. Nas quartas-feiras, diz o levantamento feito por Moreira, dá aula em uma faculdade privada da cidade, o Uniceub. Nas quintas e sextas, leciona em duas faculdades de Belo Horizonte, a Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) e a Dom Helder.
Outro procurador-regional em BrasÍlia, José Jairo Gomes, aparece no relatório do CNMP como professor exemplar, mas longe do TocaI do trabalho. De acordo com o levantamento, Gomes dá aulas às segundas, terças, quintas e sextas em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais. Como só tem as quartas livres para trabalhar em Brasília, ainda não se sabe qual a frequência dele ao trabalho. O mesmo ocorre com Eugênio Pacelli de Oliveira, também procurador em Brasília, mas residente em Belo Horizonte.
Corregedor nacional do MPcommandato até o dia 9 de agosto, o procurador Sandro Neis garante que tem tentado corrigir as distorções. Segul1do ele, 110S últimos dois anos, a corregedoria realizou ações de fiscalização em seis estados: Piauí, Amazonas, Pará, Alagoas, Paraíba e São Paulo. Curiosamente, nada foi feito em relação a Brasília, onde ficam a PGR, as procuradorias dos tribunais superiores e autarquias, o CNMP e a própria corregedoria.
"Existem muitas distorções, mas temos de lembrar que a maioria dos colegas trabalha na absoluta legalidade", explica Camanho, da ANPR. Essas distorções, garante, são fruto da atuação de alguns integrantes do Ministério Público que têm no magistério uma fonte de renda extra. Segundo ele, em alguns casos, esses ganhos podem chegar a 30 mil reais por mês, a mais.
A assessoria de imprensa da PGR confirmou os depósitos das parcelas da PAE, mas não revelou os valores exatos. Informou, ainda, que os pagamentos vêm sendo efetuados desde 2008, e ainda há parcelas a serem pagas aos procuradores. Sobre o procurador-regional Gomes, a assessoria garante que o procurador Pacelli mora em Brasília e está licenciado da Faculdade Milton Campos justamente por ter se mudado da capital federal.
Como não há cadastro ou transparência sobre esses dados, e os endere ços completos não foram fornecidos pela PGR, não é possível saber se as informações dizem respeito a residências fixas ou eventuais.
fonte: Carta Capital
POR LEANDRO FORTES
ESCOLHA dos procuradores-gerais da República está condicionada, desde 2003, ao primeiro colocado de uma lista tríplice eleita pelos pares do Ministério Público. Cerca de mil profissionais definem, a cada dois anos, quem irá ocupar O cargo máximo da carreira. Há dois meses, a presidenta Dilma Rousseff manteve Roberto Gurgel, o mais votado.
Gurgel, contudo, parece não ter contado apenas com a admiraçãu profissional de seus pares para se manter no cargo. Nos meses de dezembro de 2010 e abril de 2011, justamente no periodo de mobilização eleitoral interna, o chefe da PGR autorizou o pagamento, em duas parcelas, de cerca de 210 milhões de reais a cerca de mil procuradores da República, entre ativos e inativos. O dinheiro diz respeito a uma decisão administrativa do Supremo Tribunal Federal, de 1999, da lavra do então ministro Nelson Jobim. O ato agregou o benefício de auxílio-moradia à chamada Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), criada em 1992, também pelas mãos de Jobim, para equilibrar os salários do Judiciário e do Legislativo.
O benefício de auxílio-moradia não havia sido computado no cálculo inicial da PAE, mas acabou incluído por conta de uma ação impetrada no STF por associações de classe de juízes, sob o argumento de que dele usufruíam os deputados federais. Assim, o Ministério Público se viu na obrigação de incluir em seus orçamentos federal e estaduais pagamentos retroativos referentes ao período entre setembro de 1994 e dezembro de 1997. O tempo foi definido a partir das circunstâncias da lei: o pedido somente poderia retroagir a setembro de 1994, como consequência lógica do tempo de prescrição (cinco anos) das ações contra a Fazenda Pública. E dezembro de 1997 passou a ser o limite porque, a partir de janeiro de 1998, o benefício foi revertido em abono variável nos salários de promotores e procuradores, Brasil afora.
O Ministério Público entrou nessa história por ter sido agraciado pela PAE em 1992, mas sem levar em conta um detalhe legal importante: promotores e procuradores, por determinação da Constituição Federal de 1988 e, mais tarde, por conta de uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), são obrigados a morar no local onde trabalham. Logo, aceitaram um benefício irregular.
O fato é que justamente quando estava em campanha de reeleição ao cargo, Gurgel começou a liberar o dinheiro. A primeira parcela, de aproximadamente 60 milhões de reais, foi paga em dezembro de 2010: cerca de 60 mil a 90 mil reais para cada procurador em serviço entre 1994 e 1997, a depender do tempo de cada um no período. A segunda parcela, de 150 milhões de reais, veio no mês da escolha, março passado. No dia 9 de agosto, tanto esse pagamento quanto outras irregularidades detectadas na rotina do Ministério Público serão contestados no CNMP pelo advogado Luiz Moreira, conselheiro indicado pela Câmara dos Deputados.
Entre os expedientes analisados por Moreira está o auxílio-alimentação de 630 reais mensais recebidos pelos procuradores, proibido pela Emenda Constitucional19, de 1998, que impede qualquer benefício aos integrantes do MP, alémdo salário. Ainda assim, para garantir boas refeições aos procuradores, Gurgel referendou, em agosto de 2010, uma portaria de 1996, assinada pelo ex-procurador-geral Geraldo Brindeiro. Também será contestada a instalação da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) na sede da PGR, em Brasília. "Uma entidade privada não pode ficar localizada num prédio público", argumenta Moreira. O presidente da ANPR, Alexandre Camanho, explica que a associação ocupa as salas graças a um termo de cessão, não paga aluguel, mas arca com todas as demais despesas de infraestrutura.
É justamente no quesito moradia que a vida de parte dos integrantes do Ministério Público poderá se complicar. Além da norma constitucional, a Resolução nO 26 do CNMP trata da obrigação de promotores e procuradores, em todo o Brasil, morarem nos municípios onde trabalham. A resolução, baixada pelo CNPM em 17 de dezembro de 2007, é uma das mais importantes medidas do conselho, criado dois anos antes para exercer o controle externo sobre a categoria. Ainda assim, é uma regra burlada, em muitos casos.
Pela Resolução 26, apenas o procurador geral da República pode autorizar os integrantes do Ministério Público a trabalhar fora do local de domicílio, mesmo assim em situações específicas. Entre elas, quando houver precariedade absoluta de habitação na comarca destinada a promotores e procuradores, ou quando a segurança do agente do MP estiver comprometida, sobretudo por conta de ameaças de morte. Um levantamento feito por Moreia demonstra que uma parcela considerável do Ministério Público, sobretudo em instâncias mais avançadas da República, não dá bola para a regra. "Viver no lugar onde trabalha é uma obrigação constitucional para o Ministério Público, sem brechas. E um procurador não pode afrontar a Constituição."
Mas confrontam, mesmo no topo da carreira, como é o caso de alguns dos 62 . subprocuradores da República lotados no edifício-sede da PGR em Brasília. De acordo com o levantamento de Moreira, o subprocurador Juarez Tavares, por exemplo, passa a maior parte do tempo no Rio de Janeiro, onde leciona na universidade estadual, a Uerj. Embora, nesse caso, o subprocurador arque com as próprias despesas, ainda assim está fora da lei. Além de desrespeitar a Constituição e a Resolução 26, Tavares passa por cima de outra resolução do CNMP, de junho deste ano, com regras sobre a atividade no magistério. Pela nova resolução. apresentada pela conselheira TaÍs Ferraz, a docência só pode ser exercida no município de lotação do promotor ou procurador. Ou se ja, no caso de Tavares, em Brasília. Pode haver uma autorização especial para aulas fora do local de lotação, mas somente quando se tratar de instituição de ensino "situada em comarca próxima ou em hipóteses excepcionais". O Rio fica a 1.174 quilômetros de Brasília e, até onde se sabe, dar aula na capital carioca está longe de ser uma "hipótese excepcional".
Em Brasília há quatro anos, Tavares garante que mora na capital, embora na casa de um amigo, no Lago Sul. Diz manter um apartamento no Rio porque a mulher, advogada, não pôde se transferir para o Distrito Federal. Ele garante que só dá aulas às sextas na Uerj, e que isso não signifíca ausência do trabalho. "Os subprocuradores não têm horários, trabalham por tarefas." Também nega descumprir as resoluções porque, segundo ele, os subprocuradores, embora oficiem nos tribunais superiores de Brasília, não se restringem a comarcas, mas ao "plano nacional".
Na verdade, esse tipo de expediente está tão banalizado que até o secretáriogeral do CNMP, o procurador-regional José Adércio Leite Sampaio, está na mira do conselho. Lotado em Brasília, ele tem pouco tempo para viver na capital federal. Nas quartas-feiras, diz o levantamento feito por Moreira, dá aula em uma faculdade privada da cidade, o Uniceub. Nas quintas e sextas, leciona em duas faculdades de Belo Horizonte, a Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) e a Dom Helder.
Outro procurador-regional em BrasÍlia, José Jairo Gomes, aparece no relatório do CNMP como professor exemplar, mas longe do TocaI do trabalho. De acordo com o levantamento, Gomes dá aulas às segundas, terças, quintas e sextas em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais. Como só tem as quartas livres para trabalhar em Brasília, ainda não se sabe qual a frequência dele ao trabalho. O mesmo ocorre com Eugênio Pacelli de Oliveira, também procurador em Brasília, mas residente em Belo Horizonte.
Corregedor nacional do MPcommandato até o dia 9 de agosto, o procurador Sandro Neis garante que tem tentado corrigir as distorções. Segul1do ele, 110S últimos dois anos, a corregedoria realizou ações de fiscalização em seis estados: Piauí, Amazonas, Pará, Alagoas, Paraíba e São Paulo. Curiosamente, nada foi feito em relação a Brasília, onde ficam a PGR, as procuradorias dos tribunais superiores e autarquias, o CNMP e a própria corregedoria.
"Existem muitas distorções, mas temos de lembrar que a maioria dos colegas trabalha na absoluta legalidade", explica Camanho, da ANPR. Essas distorções, garante, são fruto da atuação de alguns integrantes do Ministério Público que têm no magistério uma fonte de renda extra. Segundo ele, em alguns casos, esses ganhos podem chegar a 30 mil reais por mês, a mais.
A assessoria de imprensa da PGR confirmou os depósitos das parcelas da PAE, mas não revelou os valores exatos. Informou, ainda, que os pagamentos vêm sendo efetuados desde 2008, e ainda há parcelas a serem pagas aos procuradores. Sobre o procurador-regional Gomes, a assessoria garante que o procurador Pacelli mora em Brasília e está licenciado da Faculdade Milton Campos justamente por ter se mudado da capital federal.
Como não há cadastro ou transparência sobre esses dados, e os endere ços completos não foram fornecidos pela PGR, não é possível saber se as informações dizem respeito a residências fixas ou eventuais.
fonte: Carta Capital
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